terça-feira, 24 de agosto de 2010

Humoristas em marcha

(Na Folha de S. Paulo de hoje, o editor Paulo Werneck critica a censura aos humoristas brasileiros)

A passeata de humoristas no Rio de Janeiro, no domingo passado, confirmou a inversão de papéis que um clichê já anunciava: a concorrência da classe política torna o ofício de humorista particularmente ingrato no país.
Não foi para fazer graça que comediantes de todas as colorações, do "Casseta & Planeta" a Sérgio Mallandro,ocuparam o espaço político das manifestações de rua, deixado vago por seus "concorrentes" engravatados. O protesto era contra a bem-sucedida proibição de satirizar candidatos imposta pela atual Lei Eleitoral.
Se até pouco tempo atrás tentava-se calar jornalistas coma Lei de Imprensa da ditadura, revogada em 2009, para amordaçar o humor o TSE ressuscitou uma letra natimorta de 1997, que até agora não havia "pegado". Não por acaso, só "pegou" nas primeiras eleições realizadas fora do nefasto espectro da Lei de Imprensa.
Nas sucessivas fornadas de humoristas veem-se os momentos- chave da vida política no país. Nos anos 1930, o Barão de Itararé, pioneiro da sátira política, foi sequestrado e espancado pela Marinha. De volta à redação, pregou a placa na porta:" Entre sem bater".
A redemocratização trouxe os cariocas do "Casseta & Planeta" das publicações nanicas para o horário nobre da TV; nesta página, Angeli, Glauco e Jean deram a cara de nossa atual encarnação democrática, de Sarney à era Lula-FHC.
A mordaça nos humoristas vem num momento especialmente fértil, em que uma corrosiva geração se impõe de modo extremamente politizado.
Novo talento na praça, Marcelo Adnet dá uma versão ácida e ultra cética da ascensão da "nova classe média" em sua "Gaiola das Cabeçudas".
A paródia televisiva que virou hit na internet canta nomes da cultura erudita como Nietzsche, Goethe e Ionesco em ritmo de funk carioca. Adnet nos faz ouvir Tati Quebra- Barraco cantar "li tudo do Leon Tolstói" em vez de "um tapinha não dói".
Nos EUA, a era Bush produziu o sensacional Stephen Colbert -comentarista farsesco, conservador e obtuso, no melhor estilo da Fox News. Em ascensão, porém desconhecido pelos republicanos, Colbert conseguiu a proeza de ser convidado, por engano do cerimonial, a fazer a abertura do jantar anual dos correspondentes estrangeiros, tradicionalmente introduzido por estrelas do "stand-up comedy".
A longa e demolidora imitação de Bush, feita em plena Casa Branca e na presença do próprio presidente, ficou na memória de quem esteve lá (ou viu no Youtube) como o mais corajoso enfrentamento pessoal que Bush sofreu durante seus dois mandatos. Nesta eleição tão sem graça, o aguardado Brasil "pós-Lula" talvez só veja sua própria cara no dia em que Marcelo Adnet for convidado para animar a posse do novo presidente.

Um comentário:

  1. Eu não sei se concordo com isso, pois, por um lado, realmente essa lei é um tipo de "mordaça", mas por outro lado, grande parte dos eleitores podem ser muito mais influenciados pelas piadinhas do que pelas campanhas dos concorrentes...

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