segunda-feira, 30 de agosto de 2010

A tragédia dos imigrantes-fugitivos mexicanos

(O texto, da Folha de domingo, mostra o desespero e sonho dos mexicanos que tentam cruzar a fronteira com os EUA)
Ameaça de cartel não inibe imigrantes
Na fronteira dos EUA com México, ilegais viram mina de ouro para traficantes, mas sonho americano resiste 
GABRIELA MANZINI
ENVIADA ESPECIAL A MATAMOROS
Eles são de todos os Estados mexicanos, e também estrangeiros. De todas as idades. Homens ou garotas levando filhos no colo.
Um dia, deixam as famílias e gastam centenas de dólares com um coiote (atravessador) que promete ajudar no desafio de encarar frio, calor, rio e montanha para cruzar a pé a divisa com os EUA.

Nos últimos anos, os imigrantes viraram mina de ouro para os narcocartéis mexicanos, que se aproveitam da fragilidade gerada pela ilegalidade para sequestrá-los, extorqui-los e violentá-los, quase sempre impunemente.
O massacre de 72 na segunda em San Fernando, no Estado fronteiriço de Tamaulipas, foi só mais um dos muitos casos de perseguição.
"Hoje saímos [dos EUA] e amanhã já estamos de volta", diz o mexicano Adolfo Martínez López, 28, que já cruzou a fronteira três vezes, duas com sucesso. A Folha o encontrou em um abrigo para imigrantes na cidade fronteiriça de Matamoros.
López emigrou pela primeira vez em 96, com a família. Dois anos depois, foi flagrado e repatriado. Em 2009, tentou duas vezes se reunir com a mulher e as filhas, que vivem na Carolina do Norte.
Agora, cogita desistir: "[O deserto] é muito duro, uma experiência única. Já vi muito lá. Cadáveres, animais como as serpentes. Elas são as piores porque atacam, e nem sempre você conhece o terreno em que está pisando".
Nenhum obstáculo abala o também mexicano Candido de Jesús, 33, que, desde 2002, é deportado "a cada oito meses ou um ano". "A última foi ontem à noite. Toda vez a polícia [estadual] me pega e me entrega à federal, que me deporta. Cruzar toma quatro ou cinco noites, mas não tenho medo. Gosto de saber que estou burlando [os EUA]."
Quando está nos EUA, Jesus trabalha com construção e pintura. Ele admite que a prosperidade diminuiu por causa da crise econômica, mas diz que a situação ainda é melhor que a do México.
"Trabalhar de dois a três dias por semana está bom. Rende US$ 200, US$ 300. E, em Washington, há lugares que distribuem comida."
Os imigrantes apontam a brevidade da prisão prévia à deportação como fator que motiva novas entradas. O alto custo dos coiotes é o problema. "Mas gosto dos EUA; vou voltar até que digam que não posso mais entrar ou que me coloquem um bom tempo na prisão", diz Jesús.
Rosa Dominguez Ramos, 48, da Casa do Migrante de Matamoros, onde vivem López e Jesús, conta receber centro e sul-americanos que mentem sobre a nacionalidade. Preferem ser repatriados ao México, para ficarem perto da fronteira. Por isso, López chama a proximidade de "luxo". "Os brasileiros, quando deportados, demoram muito para voltar."

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